quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

A Retrospectiva...

Transmitir hoje o que foram os primordios do surf em Portugal não é tarefa simples.
Tudo está demasiado diferente do que foi...
A diferença resulta de muitos factores que, com o passar dos anos e o suceder das gerações, foram modificando práticas e atitudes, cujo pleno significado, por vezes, só se compreende no respectivo tempo histórico.
O contexto é determinante para a compreensão.
Os pioneiros do surf viveram uma realidade sem correspondência alguma nos dias de hoje. O surf era algo desconhecido, o cidadão comum não fazia ideia do que tal fosse, e aqueles que sabiam julgavam-no impossivel de praticar em Portugal.
As praias de surf tinham de ser descobertas com todo o perigo e risco que lhes era inerente, o material ou não existia ou era escasso. Improvisar era uma condição, e a solidão uma constante, fazendo crescer o perigo para os que se aventuravam no mar desconhecido, com material inadequado. A falta de experiência e a inexistência de gerações anteriores que transmitissem o saber, que ensinassem pelo exemplo, impunham um constante salto no desconhecido.
O surf, ao contrario do que hoje sucede, ia-se "inventando".
Tudo isso conferia à prática uma aura peculiar que oscilava entre a estranheza e a pura novidade.
A sensação que se tinha ao fazer surf naquela época era a de aventura, de risco sem rede.
Daí que a maior recompensa consistisse em tirar o maior prazer possivel daquela situação repleta de dificuldades que se revelava e perpetuava na descoberta e na parrilha de um oceano distribuido por um extenso rol de praias por desbravar.
Com o tempo, a novidade, a carência de condições e as dificuldades foram sendo ultrapassadas. Os anos foram passando, as gerações foram-se sucedendo e, a pouco e pouco, a memória daquela fase inicial do surf português já só persiste no espírito de quem a viveu. (Assim se justifica a dificuldade que os mais recentes surfistas têm de explicar e imaginar as sensações do antigamente.)
Dos inicios até hoje, houve diversas gerações, e cada uma delas pode recordar a sua historia particular-
Creio que, grosso modo, a primeira geração acaba em Abril de 1974, pois as diferenças entre o antes e o depois daquela data são demasiado evidentes na realidade do surf nacional.
O panorama da prática da modalidade, as pessoas, o material, o espírito do surf sofreu então uma viragem, proporcionando aos surfers do pós-1974 uma postura desconhecida dos seus predecessores.
Com o 1º Campeonato nacional de 1977, dar-se-ia outro momento-chave no surf nacional. A abertura do surf ao grande publico opera-se a partir desta data e na sequência dos campeonatos que se lhe seguiram.
Necessariamente, a postura dos praticantes, cada vez em maior numero, tambem se alterou; acompetição marca e modifica, para bem e para mal, as gerações de então.
Nos anos de 1980 o negocio do surf em Portugal ganha plena realidade.
A faceta economica vem, então, determinar interesses e (re)configurar, de novo, a realidade do surf nacional.
Nos finais da década de 80, o surf português já nada tinha a ver com o que era praticado pelos precursores de 70. Não eram só as linhas classicas desenhadas nas paredes das ondas pelos pioneiros do surf que tinha desaparecido. Perdera-se tambem toda a postura do surf soul, tal como fora vivida, e o seu sucedâneo só lhe conservou o nome.
A década de 90 conhece um grande aumento da população surfista, dando-se um novo incremento a nivel da competição, a que acresce um significadtivo peso do factor economico - dimensão que em 80 apenas se esboçava.
Chegados a 2000, as escolas de surf proliferam, potenciando o surf de um modo absolutamente novo. A par disso, emerge na modalidade uma imagem associada á moda, com a competição a produzir idolos pagos pelas marcas comerciais.
Trinta anos volvidos sobre um campeonato nacional, e pela primeira vez na historia do surf nacional, um português, Tiago Pires, alcança o patamar superior no surf mundial, outro marco na historia lusa da modalidade. E, mais uma vez, o tempo, com as novas gerações, há-de moldar e incessantemente reconfigurar a historia do surf nacional.
Longe do que ficará para a historia do surf em Portugal, fica no "corredor das ondas" a memoria da brisa quando se desce a parede da onda, a adrenalina de remar, bem a pique, para o topo de vagas grandes, para depois continuar persistentemente a remar, bem para o fundo, no dorso da onda, o encantamento e o roar de um tubo, a sensação de liberdade naquelas surfadas em que não é necessario disputar ondas, a descoberta de ondas perfeitas, uma após outra...


Only a surfer knows the feeling!
Hasta.
Carol.

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