De pé na frágil tábua
onda a onda ele escrevia
poesia sobre a água.
Era uma escrita tão una
de tão perfeita harmonia
que o que ficava na espuma
não se podia apagar:
era a própria grafia
do poema do mar.
Por: Manuel Alegre
Eu tenho a melhor equipa do mundo.
De manhã, estava nervosa. Meti Beach Boys para entrar no espirito. Acordei mais cedo (só o consigo fazer se for para surfar), e comi devagar. Ainda deu tempo para ir ver a FUEL TV e fazer uns take-off no meu quarto.
Mas recebi uma mensagem do Diogo a dizer "Only the surfer knows the feeling" e o meu objectivo mudou! Já não queria fazer boa figura e andar só para cima e para baixo, de modo a não dár uma grande tralho em frente a toda a gente.
Queria fazer um ganda (mesmo "ganda") aereo.
E tentar sem parar. Queria cair em frente a todos. Porque o que importava era a sensação.
A minha sensação e não a deles.
Durante o caminho, muitas foram as vezes em que me meti em pé, em frente a toda a gente, imaginando que estava em cima de uma prancha e tentei fazer algumas manobras.
Falava sozinha e dizia "Boa Carol! Só tens de fazer isto mais assim..." e lá fazia eu de novo.
Comprei um Ice Tea e uma sandes de atum numas bombas de gasolina para comer durante a tarde, andei, cantei com os phones nos ouvidos, parei e andei de novo.
Gostava de parar para ver como é bonito sentir uma terra a dormir. Os cortinados fechados.
E depois, olhar para os que já estão acordados e tentar adivinhar que estaram a pensar para o dia que se segue.
Cheguei! E estavam lá todos os CSA (OBRIGADA!).
Só faltava o Diogo, mas mesmo ele, eu sabia que queria ter ido e não podia mesmo lá estar! No entanto, não se tinha esquecido e enviou uma mensagem de manhã.
O Lucas ainda estava a dormir e já eram duas da tarde, mas eu desculpei-o.
A Kei, estava parola como sempre e mais motivada para a minha prova que eu.
O Conde e o Mike, estão sempre o mesmos.
"- Estou nervosa! (dizia eu)
- Não estejas, vai ser fácil... (Conde)
- Claro que vai, isto é básico... (ironia)
- Claro que é básico! Se não fosse básico nem tu estavas aqui."
OBRIGADA, de novo.
A Sá dava muitas dicas e falou muito, mas mesmo muito.
Até o Fred lá estava! E foi comigo até onde podia a explicar tudo o que sevia e não devia fazer.
Sinceramente, não ouvi nada. Ou quase nada. Desculpa.
Amei, juro que AMEI, a vossa claque organizada.
Amei as bolachas, o molhinhos do Lucas e o castelo de Kei.
Gostei de ver a Sá a fazer de sapo, e o Conde a arrotar "Vai Carol, dá-lhe!".
Apesar de vocês serem uma vergonha, quando viradas as costas à areia, sentia-me melhor por estarem lá.
MUITO MELHOR!
Oitavo lugar...huumm... não me diz praticamente nada.
Neste dia, até podia ter ficado em ultimo, podia não haver ondas, podia ter sido tudo adiado, podia-me ter magoado numa perna, podia estár mau tempo, MAS VOCÊS ESTAVAM LÁ!
E isso, foi a maior vitoria do dia.
Tenho a melhor equipa do mundo.
Segue-se a Surfari :D
Only a surfer knows the feeling!
Hasta.
Carol.
Apontei o despertador para as 7 da manhã. Quando tocou, à hora marcada, fiz o costume: confirmei as horas, desliguei-o e dei meia volta na cama para voltar a dormir.
Depois, como sempre, houve ali um ou dois segundos daquilo a que posso chamar "tempo de decisões", em que a minha consciência desperta ou não e que consiste numa pequena reflexão metafísica sobre a beleza da vida de quem acorda cedo – e que geralmente descamba na beleza do sono matinal. Desta vez, porém, despertei.
Ainda era de noite, muito cedo e fazia frio como se não houvesse amanhã – ou como se este fosse numa era glaciar - mas os melhores surfistas do mundo a competirem a 40 minutos de distância foram razão suficiente para me fazer levantar da cama. Aqueles tipos são aliens e vê-los surfar ao vivo, com ou sem lycra, a dois palmos do nosso nariz, é um privilégio que não dá para desperdiçar.
E depois, é simples: os factores Saca e Slater são demasiado fortes.
Saio de casa e inauguro o Outono ou Inverno ou lá o que é isto que de manhã é uma coisa e à tarde outra e mais outra ainda: para já são 9 os graus de temperatura que marca o meu gelado carro.
O mar ouve-se ao longe na forma daquele barulho incessante das marés muito vazias na Ericeira, com estalos nas pedras que tornam meio-metro glass num recital digno de três metros tempestade. Faço-me à estrada enquanto um nevoeiro cerrado se estende pelos vales da zona Oeste, fechando o horizonte no sentido Este. Nem se vêem aquelas enormes ventoinhas eólicas, todas alinhadas por quilómetros e quilómetros numa linha de montanha paralela ao mar.
No mar, tudo calmo. Os tons melancólicos fazem adivinhar uma tempestade para breve. Igual a tantas outras, por entre todas aquelas povoações pelas quais vou passando e onde a vida passa igual, como nos outros dias deste bom e velho oeste. Um velho amparado por uma muleta carrega sacos de milho e atravessa-se no meio da estrada; um tractor arrasta-se a 10 à hora; mulheres carregam carros de compras; os homens aglomeram-se à porta dos cafés; chaminés de padarias lançam fumo para o ar. Há toda uma azafama matinal que em conjunto constrói um cenário digno da aldeia saloia do Zé Franco, e que se reproduz repetidamente e por vários quilómetros. E cá está, finalmente, Peniche.
Por esta altura sabia que não ia haver campeonato na costa norte de Peniche. Como já tinha visto o mar, parecia-me improvável que a prova acontecesse nos Super mas ainda assim estacionei ali por perto, não no parque de estacionamento edificado para o efeito - por vergonha, não quis ser a primeira.
E cá estamos. Supertubos. Com tudo no sítio. “Bela estrutura”, pensei várias vezes enquanto olhava à volta – e sim, a do campeonato também. Estava ali no olho do furacão com todo aquele frenesim típico dos primeiros dias de campeonatos importantes: surfistas a chegar a conta gotas, media a fazer acreditações no centro de imprensa, miúdas a fazer pose indisponível, tipos na segurança do chão a mandar palpites sobre o que os outros deveriam fazer no topo de estruturas e o staff do The Search a fazer os últimos preparativos para uma festa que não chega a começar. Porque faltam as ondas. E como vai ser?
“Vai estar gigante, o mar vai estar gigante, bródê”. Fazendo jus ao epíteto de rapaz mais expressivo do circuito, Jihad Kodr solta um caloroso cumprimento, lançando depois um olhar assombroso a acompanhar esta frase. Não sei como vai estar, não faço ideia, acho que sim mas penso que não. Uma coisa é certa: como um mantra dos sete mares, aquela frase tem-me ecoado repetidamente na cabeça.
Dez anos depois, uma etapa do circuito mundial de surf volta a passar por Portugal. É uma óptima notícia para os adeptos da modalidade, que durante duas semanas, se as condições do mar em Peniche o permitirem, vão poder assistir a um espectáculo notável.
Mas é também um óptimo sinal para a economia portuguesa, que tem no surf uma oportunidade de enorme potencial.
Num estudo recente, dedicado ao ‘hypercluster' mar, coordenado por Ernâni Lopes, era afirmado que a economia do mar poderia ser, ao mesmo tempo, uma força propulsora e um catalizador capaz de dinamizar um conjunto de sectores com elevado potencial de crescimento e capacidade para atrair investimento. Tanto mais que o potencial económico do mar tem sido escassamente explorado, nomeadamente através de investimentos inovadores, capazes de acrescentar valor. Ora o surf é precisamente um dos sectores onde melhor se pode combinar crescimento sustentado, com criação de novas oportunidades económicas no quadro da economia do mar.
Tal como há na Europa regiões inteiras cujo desenvolvimento virtuoso radicou nos desportos de neve, o surf poderia desempenhar o mesmo papel alavancador em várias zonas de Portugal. O surf poderia estar para o turismo português como os desportos de neve estão para os Alpes suíços.
O turismo de surf não é massificado, representa um nicho de mercado em franca expansão e é ambientalmente sustentável. Os surfistas, até porque o desporto depende de um recurso natural (as ondas), valorizam as boas práticas ambientais, o que estimula a preservação ecológica das praias. Esta preocupação ambiental funciona como um constrangimento positivo, que contraria a propensão para a destruição do orla costeira - tarefa à qual se têm dedicado muitos autarcas portugueses ao longo de décadas.
Portugal tem, no contexto europeu, condições únicas para a prática de surf. Temos um clima temperado, ondas de qualidade e, não menos relevante, condições para o surf durante todo o ano. A estas condições acresce a nossa centralidade, nomeadamente quando comparado com outros destinos de surf, bem mais distantes. Além do mais, tendo em conta que as melhores ondulações são fora do Verão, o surf pode ajudar a compensar as quedas na ocupação hoteleira fora da época alta.
O surf pode ajudar a fazer uma síntese de que muitas regiões do país bem necessitam: gera novos recursos, mas contribui também para preservar recursos naturais, que tradicionalmente eram vistos como um empecilho ao desenvolvimento económico. Os bons exemplos das autarquias de Peniche e de Cascais - que têm visto no surf uma oportunidade para a criação de uma nova identidade local bem podiam ser seguidos por muitas outras câmaras do pais que, tendo ondas de qualidade, não só não cuidam da sua protecção, como desprezam o seu potencial económico.
POR: GASTÃO
Uma competição organizada em condições difíceis que obrigaram a fazer escolhas difíceis numa região - Peniche - com características difíceis de encontrar no resto do planeta e únicas no continente europeu.
Ondas que acrescentaram uma página à história do surf mundial num continente onde nunca antes se tinha surfado ondas assim. Só faltou mesmo fazer mais dias de competição em Supertubos, mas quem dera a muitas provas terem um back-up como os Belgas, o Lagido ou o Molhe Leste.
Milhares e milhares de pessoas presentes na praia todos os dias. Um público que sabia o que estava a ver e, ao contrário da maioria dos públicos, foi tanto mais exuberante por isso - e foi assim com o Owen Wright no outside ou a lenda Martin Potter no areal.
Uma porta escancarada para este mercado cujo retorno é cada vez maior. Argumentos desarmantes para vir a incluir uma nova etapa europeia no World Tour (ou substituir a etapa-problema de Mundaka) e, não menos importante, o facto de hoje - nós, europeus - aliarmos às condições naturais a capacidade de produzir atletas de excelência.
Um país que toda a gente - surfistas, comentadores anónimos ou gente que não faz surf de pé - sabe ser o melhor que a Europa tem, pelo menos no que toca a combinações felizes de sol, ondas e massa humana.
Se tivessem todos mais juízinho, deixavam-se do bota abaixo proverbial e viam as coisas como elas são. Fez-se história e fez-se cá. Os galácticos partiram pranchas, levaram um banho de humildade e viram-se intimidados como há muito não acontecia - tudo aqui na santa terrinha. Onde nada, mas mesmo quase nada acontece. E isso, meus caros, devia dar-nos um orgulho do caralho. Independentemente de se terem cometido erros, independentemente de nem tudo estar bem no surf português... yada yada yada. The Search is over - e o resto é conversa.
Sa' e Mike: residentes!
POR: MIKE
Atualmente a religião e o misticismo parecem ter o monopólio da espiritualidade. As religiões teístas muitas vezes consideram uma “relação com deus” ou criador divino, como uma relação espiritual, enquanto o misticismo geralmente encontrará uma relação com forças “sobrenaturais”. A conclusão é que, quase universalmente, a espiritualidade tem a ver com uma “relação” em qualquer nível. Na maioria das perspectivas, ela é associada com o “lugar” ou “significado” de uma pessoa para a vida… seja lá qual for.
Por mais subjetivas que essas coisas possam ser, nós começamos a reconhecer mudanças nessas noções, pois o progresso social tende a abrir caminho para conceitos que resistem ao teste do tempo. Na idade moderna, podemos dar uma boa olhada para nosso passado e examinar o que nossos ancestrais costumavam considerar “real”, e depois comparar essas idéias com o que compreendemos hoje. Muitas “práticas espirituais” que existiram no passado não mais existem devido a compreensões que passaram a serem relacionadas a fenômenos naturais. Um simples exemplo: as religiões de antigamente muitas vezes “sacrificavam” animais para certos propósitos… isso raramente acontece hoje, uma vez comprovada a irrelevância desse atos. Da mesma forma, as pessoas raramente praticam “danças da chuva” a fim de influenciarem no tempo… hoje compreendemos como os padrões climáticos são criados, e foi comprovado que a prática de rituais não tem efeito algum.
De forma parecida, a idéia de “rezar” a deus pedindo por algo em particular, é estatisticamente considerada como tendo pouco efeito no resultado, sem mencionar que não existem evidências científicas que provem a existência de um criador personificado… antes, isso geralmente é resultado de especulações da literatura histórica antiga e tradições.
A atual religião parece estar de muitas formas enraizada a percepções errôneas dos processos biológicos. Por exemplo, ela apresenta uma noção de mundo que muitas vezes coloca os humanos num patamar diferente dos elementos naturais. Esse “ego espiritual” levou a dramáticos conflitos por gerações, não apenas entre seres humanos, mas até entre nós e o próprio meio-ambiente.
Todavia, com o passar do tempo, a ciência nos mostrou como os seres humanos estão sujeitos às exatas mesmas forças da natureza a que todo o resto está. Nós aprendemos que compartilhamos das mesmas subestruturas atômicas das árvores, pássaros e todas as outras formas de vida. Aprendemos que não podemos viver sem os elementos da natureza… precisamos de ar puro para respirar, comida para nos alimentar, energia do sol etc. Quando compreendemos essa relação simbiótica de vida, começamos a entender que quanto mais essas “relações” são consideradas, mais profundo e importante se torna nosso relacionamento com o planeta. O meio pelo qual isso é expresso é a ciência, pois o método científico nos permitiu ver através dos processos naturais, de modo que podemos compreender melhor como nos “ajustamos” nesse sistema de vida como um todo.
Poderíamos chamar isso de despertar “espiritual”.
Essa compreensão, que foi provada pela ciência, é a de que humanos não são diferentes de qualquer outra forma da natureza, enquanto nossa integridade é apenas tão boa quanto a do nosso ambiente, do qual somos parte. Esse conceito apresenta uma perceptiva “espiritual” totalmente diferente, porque em seu cerne força uma idéia de interdependência e conexão.
A interconexão de toda a vida é indiscutível nos sentidos mais fundamentais, e é essa “relação” perpétua de total interconectividade que, de um modo geral, não é completamente compreendida pela sociedade. Assim, nossos modos de conduta e percepção estão bastante fora de sintonia com a natureza… sendo eles, portanto, destrutivos.
A própria natureza é nossa mestra, e nossas instituições sociais e filosofias deveriam ser derivadas desse conceito fundamental e, invariavelmente, “espiritual”.
Quanto mais rápido esse acordar espiritual se espalhar, mais sã, pacífica e produtiva tornar-se-á nossa sociedade.